IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL EMMANUEL LEVINAS

CONFERÊNCIAS IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL EMMANUEL LEVINAS

Vivemos em tempos de mutações. As transformações por que passamos no campo do conhecimento, das relações humanas, da cultura, do direito e da própria ética mostram uma transitividade que não conta mais com a busca de estabilidade e identidade que nortearam o modo de pensar do Ocidente. O tempo, que até então tinha uma direção e apontava para uma finalidade, que permitia ao ser humano confiar no progresso e na melhoria da humanidade, compreende-se hoje como experiência de pura finitude. “Entramos bruscamente num tempo que não vai a lugar nenhum. Talvez seja um bem, talvez não, pois que nada mais tem sentido” 1 .

Eis por que nossa época se compreende como um oceano de possibilidades em que vários tipos de tentação emergem. Por exemplo: é nítida a aspiração que hoje temos de transformar a realidade humana, corporal e vulnerável, recorrendo a um aparato biotecnológico cada vez mais sofisticado, capaz de mudar radicalmente nossa pobre e frágil condição. O problema, a nosso ver, não está nos recursos, nas possibilidades, nos meios disponíveis ou passíveis de construção, mas na aceitação acrítica das mutações e do que elas pretendem oferecer aos não excluídos do mundo do consumo. Por medo ou insegurança, podemos ser tentados a conferir estabilidade àquilo que, por essência, está destituído de toda fixidez.

Pode-se, assim, afirmar que os tempos de mutações se caracterizam por um paradoxo. Trata-se de uma época que anuncia e enuncia, a uma só vez, pelo menos duas possibilidades contrastantes: a) o desejo de hibridação com a alteridade (transumanismo), isto é, a relação com o outro (com a própria natureza) sob a forma de autocriação infindável e imprevisível, dando continuidade ao primado do mesmo em detrimento da alteridade; b) a tomada de consciência de que sempre podemos falar, agir, testemunhar, responder pelo dano que causamos ao mundo, ao outro ser humano e à própria natureza. O eu respondente é imune a toda hibridização! Enquanto tal, é capaz de assumir a responsabilidade pelo sofrimento de tantas vítimas de nossa história. Ser eu é poder despertar para o fato de que estamos sempre às voltas com uma espécie de juventude e desregramento, com um Dizer capaz de se des-dizer. “Juventude que é ruptura do contexto, palavra que decide, palavra nietzschiana, palavra profética, sem estatuto no ser, mas sem arbitrariedade, pois brotada da sinceridade, quer dizer, da própria responsabilidade pelo outro” 2 . Ora, com tal desregramento não se anuncia uma inconsequente defesa do caos, o enaltecimento do não-sentido, mas sim uma luta interminável contra a possível desconstrução do humano.

Juventude de uma palavra balbuciada, enfronhada num autoerotismo, mas, em todo caso, abertura de um espaço de encontros e busca de alteridade.

Busca que IV Seminário Internacional Emmanuel Levinas procurou incentivar, coordenar e possibilitar. O tema fala por si só: “O sentido do humano: ética, política e direito e tempos de mutações”. As conferências desse volume que ora apresentamos retratam, com maestria e vigor filosófico ímpar, os desafios que o título do evento anuncia. São trabalhos que abordam temas desafiadores de uma época sem bússola: o tempo messiânico que nos individua como subjetividades respondentes, a ideia filosófica de cultura, o tema da idolatria da razão, as relações da ética com o direito, a política, a sociedade em geral. Esperamos que a leitura dessas belas e notáveis conferências possa despertar o leitor para a fecundidade de um diálogo com um modo de pensar que se tornou, hoje em dia, um novo paradigma filosófico.

1 SAINT CHERON, M.- Entretiens avec Emmanuel Levinas (1983-1994), Paris: Le Livre de Poche, 2010, p. 32.

2 LEVINAS, E.- Humanismo do outro homem, Petrópolis: Vozes, p. 128.

Marcelo Fabri

ISBN: 978-65-00-00040-5